ANTROPOLOGIA FORENSE
"Os ossos falam"
A antropologia forense é o ramo da medicina legal que estuda a identificação do ser humano por meio de um processo técnico-cientifico para determinação de idade, sexo, padrão racial e estatura. O material de estudo pode ser vivo (desaparecidos, pacientes mentais desmemoriados, menores de idade, etc.), morto (desastres de massa, cadáveres sem identificação, mutilados, estados avançados de putrefação e restos cadavéricos) ou ainda restos mortais (decomposição em fase de esqueletização, esqueletos e ossos isolados).
A professora Elisa Winkelmann lembra que a antropologia forense ganhou destaque com os atentados às torres do World Trade Center, em Nova Iorque, em 11 de setembro de 2001. No episódio, cerca de 2,3 mil pessoas perderam a vida. "Por causa da queda daqueles prédios, várias pessoas morreram e não sobrou um corpo. O que restou foram pedaços de ossos, fragmentos. Se esse material é da região do crânio, são os dentes, isso ajuda na identificação", esclarece.
"Os ossos te falam, eles podem te dizer o motivo da morte. Se a gente realiza um trabalho sobre fratura só com o crânio, por exemplo, é possível dizer a altura aproximada da qual a vítima caiu pela quantidade de fragmentos", exemplifica a docente.
No Brasil, um caso emblemático foi a tragédia de Brumadinho, em 2019, quando uma barragem da Vale rompeu-se e causou a morte de 270 pessoas. Passados três anos do desastre, as buscas ainda continuam, tendo a última vítima sido identificada apenas em junho deste ano.
Rei da Salsicha: caso pioneiro da antropologia forense
O alemão Adolph Luetgert desembarcou em Chicago, nos Estados Unidos, em 1886, aos 21 anos. Após alguns anos de trabalho, construiu sua primeira fábrica: a AL Luetgert Sausage & Packing Company. A empresa que produzia salsichas logo deu ao dono a alcunha de Rei da Salsicha de Chicago. Devido a dificuldades financeiras, que inclusive estavam causando estresse em seu casamento com Louisa Luetgert, Adolph decidiu desativar o empreendimento.
Em maio de 1897, Louisa foi dada como desaparecida. Testemunhas afirmavam ter visto o casal entrando na fábrica de salsichas e apenas o marido deixando o local. Depois de argumentar que a esposa havia viajado para visitar um parente, Adolph passou a dizer que ela havia fugido com outro homem.
No trabalho de investigação, a polícia constatou que as brigas entre o casal eram constantes e existia um histórico de violência doméstica. Numa ação de busca na fábrica, os investigadores sentiram um forte odor vindo diretamente de um dos tonéis utilizados para a preparação das salsichas.
Adolph justificou que o cheiro era decorrente de uma mistura aferventada de potássio, gordura e restos de ossos usada na confecção de um sabão empregado na limpeza da fábrica. Porém, ao esvaziarem o tonel, os policiais encontraram um anel com a inscrição "LL", fragmentos de ossos e um pedaço de vestimenta similar a um espartilho. Todas as evidências estavam queimadas.
Os indícios foram suficientes para a acusação. O marido foi julgado ainda em 1897 no tribunal do Condado de Cook. Com o interesse da população, o caso teve cobertura nacional e provocou a queda na venda de salsichas em todo o país. Em uma das audiências, houve o depoimento do antropólogo George Dorsey. Segundo o especialista, o corpo de Louisa havia sido dissolvido em uma solução cáustica e seus restos cremados em uma fornalha.
Dorcy analisou cada um dos ossos encontrados e identificou-os como sendo pertencentes ao metatarso, às falanges dos dedos dos pés, às costelas e ao crânio de um indivíduo do sexo feminino com idade compatível com a de Louisa Luetger. Os doze jurados condenaram Adolph. E a análise antropológica de estimativa do perfil biológico foi, pela primeira vez na história dos Estados Unidos, utilizada como evidência para condenar o réu.
Trabalho premiado na Interforensics
O Laboratório de Antropologia Forense da UFSC teve um trabalho premiado na última edição do Congresso Internacional de Ciências Forenses (InterForensics), realizado em novembro de 2021. Um pôster sobre o estudo de fraturas ósseas foi o vencedor da categoria na área Antropologia Forense. O trabalho foi apresentado pela professora Ana Paula Casadei e teve como colaboradores Matheus de Abreu, Emily Marmentini, Aline Jacques e as professoras Beatriz Barros e Elisa Winkelmann.
A professora Ana Paula explica que, a partir do conhecimento do comportamento mecânico dos ossos em suas diferentes situações de tensão, busca-se entender e reconstruir as trajetórias das linhas de forças que possam ter provocado os traumatismos. Nos casos de traumatismos múltiplos, inclusive, é possível estabelecer uma possível cronologia entre eles.
"Nesse trabalho, analisamos uma região do crânio de uma ossada do Lanfor que apresentava mais de uma fratura. E, a partir da análise das linhas de fratura, tentamos estabelecer a possível cronologia entre elas e também a possível direção do impacto que as desencadeou", diz a professora. "O reconhecimento foi muito importante para o Lanfor, pois como somos um grupo novo e estamos iniciando nossos estudos na área de traumatologia forense, esse tipo de premiação indica que estamos trabalhando na direção certa", complementa.
O InterForensics é uma conferência realizada pela Academia Brasileira de Ciências Forenses (ABCF), com o apoio da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF). O evento, que estreou em 2017 e ocorre a cada dois anos, reúne acadêmicos, peritos, profissionais do meio jurídico e desenvolvedores de novas tecnologias e ferramentas para o segmento. A última edição, promovida em Foz do Iguaçu, no Paraná, registrou mais de 1,1 mil participantes, entre congressistas, autoridades e palestrantes.