ARQUEOLOGIA FORENSE

white skull on black surface

Crédito: Jon Butterworth | Unsplash

Crédito: Jon Butterworth | Unsplash

Evidências enterradas

A arqueologia forense consiste no emprego de técnicas e métodos, em etapas de campo, aplicados na busca, localização, delimitação e mapeamento de uma cena, com o registro e a interpretação de diferentes evidências encontradas superficialmente ou enterradas. Compreende ainda o contexto ao redor, por meio da observação atenta, da identificação e da coleta de vestígios da fauna e da flora que podem compor o cenário e auxiliar na resolução de um caso forense.

A arqueologia forense compreende, entre outras ações, a delimitação e o mapeamento de uma cena. Crédito: Lanfor/UFSC

A arqueologia forense compreende, entre outras ações, a delimitação e o mapeamento de uma cena. Crédito: Lanfor/UFSC

De acordo com a arqueóloga Luciane Zanenga Scherer, servidora do Museu de Arqueologia e Etnologia (MArque) da UFSC, a arqueologia forense é um recurso para diversas situações de investigação, como homicídios, desastres em massa, crimes de genocídio, crimes de violação dos direitos humanos, crimes de guerra, entre outros. Segundo Luciane, a etapa inicial nesse processo é reconhecer no local a área que será averiguada e determinar as técnicas a serem utilizadas. Para isso, são operados alguns aparelhos como o Radar de Penetração de Solo (Ground Penetrating Radar – GPR) e o Lidar (Light Detection and Ranging), que contribuem na busca de evidências que estejam abaixo do solo.

"Após essa etapa inicia-se a prospecção interventiva propriamente dita, com a demarcação da área a ser escavada de acordo com a localização das evidências, incluindo os remanescentes humanos. A área será delimitada, demarcada, quadriculada e georreferenciada. À medida que a escavação for realizada, os achados serão mapeados, identificados, georreferenciados, registrados, fotografados e coletados", afirma a servidora, mestre em Arqueologia pelo Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista em Paleopatologia, História e Evolução das Doenças Humanas pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP).

Os achados são identificados, georreferenciados, registrados, fotografados e coletados. Crédito: Unifesp

Os achados são identificados, georreferenciados, registrados, fotografados e coletados. Crédito: Unifesp

Conforme explica a arqueóloga, os sedimentos retirados durante a escavação são peneirados para garantir que nenhuma evidência seja perdida. Após os trabalhos de campo, os vestígios são encaminhados aos laboratórios para dar continuidade às análises e à interpretação dos dados. No caso de busca por informações acerca de uma pessoa desaparecida, outra etapa essencial no processo investigatório são entrevistas com os parentes, amigos ou terceiros com quem ela manteve seus últimos contatos. "É importante saber se o desaparecido tinha alguma doença, dificuldades para andar, dores na coluna, idade quando desapareceu, altura, se usava prótese dentária, se teria radiografias realizadas para tratamentos dentários, exames de imagens disponíveis, qual roupa trajava quando desapareceu, entre outras informações", exemplifica.

pathway in forest

Photo by Indra Giri on Unsplash

A vala clandestina da ditadura

Crédito: Memórias da Ditadura

Crédito: Memórias da Ditadura

Luciane integra o Grupo de Trabalho Perus, instituído em 2014 para analisar os restos mortais encontrados em 1990 no local que ficou conhecido como vala clandestina de Perus, no Cemitério Dom Bosco, zona Norte de São Paulo. Na área, foram contabilizados 1.049 conjuntos com ossos, mas a estimativa é que a vala continha os restos de 1,3 a 1,4 mil pessoas. Acredita-se que lá foram enterrados desaparecidos políticos, vítimas da repressão durante a ditadura militar, sepultadas com nomes falsos.

A arqueóloga Luciane Zanenga Scherer integra Grupo de Trabalho Perus. Crédito: CAAF/UNIFESP/GTP

A arqueóloga Luciane Zanenga Scherer integra Grupo de Trabalho Perus. Crédito: CAAF/UNIFESP/GTP

Por alguns anos, a arqueóloga viajou uma vez por mês à capital paulista, onde permanecia uma semana inteira compondo a equipe de peritos rotativos nas análises laboratoriais dos remanescentes ósseos humanos. A equipe era formada por odontolegistas (profissional que trabalha na identificação humana em casos relacionados à perícia odontológica), médicos legistas, bioarqueólogos, arqueólogos e antropólogos.

"Junto com colegas dessas áreas, realizávamos a montagem dos remanescentes em mesa de análise, preenchíamos o inventário, analisávamos e preenchíamos o perfil biológico (estimativa de sexo, idade e estatura) e o reporte antropológico (incluindo patologias, lesões ante mortem e peri mortem)", pontua. A partir disso, as amostras de DNA dos remanescentes que estivessem dentro do perfil dos procurados eram coletadas por geneticistas e, então, encaminhadas a um laboratório especializado. Os resultados eram comparados com os de familiares que procuravam por desaparecidos políticos.

Até o momento, foram concluídas 819 análises de ossos de indivíduos que estavam nas caixas. Entre eles foram identificados cinco desaparecidos políticos: Dênis Casemiro, Frederico Antonio Mayr, Flávio de Carvalho Molina, Dimas Antonio Casemiro e Aluísio Palhano Ferreira.

Vítimas da ditadura militar foram enterradas sob nomes falsos no Cemitério Dom Bosco. Crédito: EBC

Vítimas da ditadura militar foram enterradas sob nomes falsos no Cemitério Dom Bosco. Crédito: EBC

A arqueologia forense passou a ser reconhecida como disciplina própria dentro de programas acadêmicos por organizações profissionais e internacionais, especialmente a partir dos anos 2000, pela comunidade policial em países como Estados Unidos e Inglaterra. O Brasil não acompanhou a tendência. Entretanto, Luciane destaca uma recente publicação que traz luz a quem trabalha ou se interessa sobre o tema: Tratado de Antropologia Forense: Fundamentos e Metodologias Aplicadas à Prática Pericial (2022), com capítulos escritos por arqueólogos e bioarqueólogos.

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