CASA DE PASSAGEM

O HISTÓRICO DO DESCASO

VERÃO DE 2016


Povo Kaingang se abriga pela primeira vez no antigo Tisac (Terminal Rodoviário do Sacos dos Limões).

O terreno havia sido cedido pela União à prefeitura de Florianópolis, mas estava com a cessão vencida. Na época, a prefeitura disse não ter planos para o local, abandonado desde 2005. A Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e o Ministério Público Federal (MPF) participaram do processo.


Os Kaingang são o terceiro maior povo indígena do Brasil, com quase 30 mil pessoas. Seu território original abrange os três Estados da região Sul e o sul do Estado de São Paulo.

A migração dos Kaingang à capital catarinense já acontecia há muitas décadas. Com a perda territorial e econômica a qual foram submetidos ao longo dos anos, vender artesanato Kaingang no verão de Floripa se tornou crucial para a subsistência de muitas famílias. A trajetória dos indígenas na capital é cheia de idas, vindas e muita luta, e vale uma reportagem por si só, como essa feita para o Jornal Zero em 2019.

PÁSCOA DE 2017


Kaingang retornam às aldeias após o verão e o terminal é incendiado. O incêndio danificou banheiros, rede elétrica e estrutura do local.

As condições estruturais da ocupação não foram completamente revitalizadas até hoje. Nunca se descobriu a autoria do incêndio.


SETEMBRO DE 2017


Justiça Federal obriga a prefeitura de Florianópolis a construir um abrigo definitivo para os Kaingang através de uma Ação Civil Pública.

A Casa de Passagem era reivindicação antiga dos Kaingang e serviria para abriga-los durante a temporada de verão. O local escolhido para sua construção foi um terreno ocioso ao lado do antigo Tisac. União, Funai e prefeitura foram responsabilizadas por manter os indígenas em condições razoáveis no terminal até que a Casa fosse construída.

30 DE OUTUBRO DE 2018


O então vice-prefeito de Gean Loureiro, João Batista Nunes assina termo de compromisso com o MPF, no qual a prefeitura se responsabiliza pela construção da Casa de Passagem no local escolhido. Nunes era prefeito em exercício no dia em questão.

No documento, ficou definido que o prédio deveria ser construído até o dia 1° de julho de 2019.

VERÃO DE 2019


As condições da ocupação Kaingang atingem o nível mais crítico desde o seu começo, três anos antes. Apenas dois banheiros eram divididos por um grupo de mais de 200 pessoas. Três barracas da Defesa Civil e dezenas de outras feitas de lona abrigavam de três a quatro famílias cada. 


Em 22 de fevereiro, indígenas foram à Câmara Municipal e à prefeitura cobrar providências. 

MARÇO DE 2019


Amosac (Associação de Moradores do Saco dos Limões) entrega uma carta aberta ao Conselho da Cidade de Florianópolis para exigir a retirada dos Kaingang do antigo terminal. A Associação sempre se posicionou sistematicamente contra a permanência dos indígenas.

10 DE MAIO DE 2019


A menos de dois meses para o fim do prazo de construção, a prefeitura apresenta o projeto final da Casa de Passagem em reunião no MPF.

O projeto foi aprovado por todas as partes envolvidas (a Amosac não participou). Houve, porém, duas ressalvas por parte da prefeitura: o município se preocupava com o custo da obra, orçado em pouco mais de R$ 1 milhão; além disso, havia pendências nos contratos hidráulico e elétrico (também de responsabilidade da prefeitura).

SEGUNDO SEMESTRE DE 2019


Indígenas permanecem em Florianópolis durante o inverno pela primeira vez. O objetivo era pressionar o Poder Público pela construção da Casa de Passagem.

Além disso, a comunidade temia um novo ataque ao abrigo, como o incêndio ocorrido em 2017. 


Em outubro, Gean Loureiro se compromete a realizar melhorias no local e destinar R$ 1,5 milhão para a construção da Casa de Passagem.

MARÇO DE 2020


Pandemia abrevia permanência dos Kaingang em Floripa

Indígenas retornam às suas aldeias em 20 de março. A prefeitura imediatamente lacra e promete à comunidade que cuidaria do local improvisado no Tisac.

DEZEMBRO DE 2020


Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) atende um recurso da prefeitura de Florianópolis para suspender decisão que obrigava o município a fazer melhorias no antigo terminal.

A argumentação jurídica da prefeitura gira em torno da pandemia e da vulnerabilidade imunológica de povos indígenas. 

7 DE JANEIRO DE 2021


Kaingang retornam a Florianópolis e se instalam no antigo terminal mais uma vez

Horas depois da chegada, a Guarda Municipal e a Polícia Militar chegam ao local com ordem de despejo emitida pela prefeitura. Indígenas reafirmam a permanência, contando com o apoio do MPF e de movimentos sociais.

A prefeitura oferece passagem de volta e cestas básicas aos indígenas, além da instalação de cinco lideranças em hotéis da cidade por 14 dias. Proposta é rejeitada e a Prefeitura solta nota afirmando ser contra a permanência da comunidade.

Local é rebatizado de Casa de Passagem e Ponto de Cultura Goj ty Sá*. 

O termo em Kaingang significa "água salgada" e já era usado pela comunidade para se referir à capital de Santa Catarina. O fato de estarem abrigados em um aterro de água salgada também pesou na escolha.

*Pronuncia-se "Gôi Taxá"

FEVEREIRO DE 2021


Cai a decisão liminar emitida pelo TRF4 e a prefeitura volta a se ver obrigada a fazer melhorias na ocupação

A esta altura, o tipo de zoneamento do terreno alvo do termo de compromisso assinado era o entrave apresentado pela prefeitura e pela Amosac para a não construção da Casa. 

O prazo de decisão que obrigava melhorias no local se encerrou no dia 17 de fevereiro. A prefeitura realizou algumas pequenas obras no dia seguinte: instalação de uma janela na cozinha e de algumas pias, de acordo com relatos da comunidade. Uma série de outras reivindicações não foram contempladas. 

29 DE JUNHO DE 2021


Justiça determina 10 dias úteis de prazo para que a prefeitura concluísse as melhorias restantes na Goj ty Sá

A decisão judicial foi assinada pelo juiz Marcelo Krás Borges, da 6ª Vara de Florianópolis, a pedido da Procuradora da República Analúcia Hartmann. Tapumes laterais, mais banheiros e o conserto da fossa eram as principais demandas.

Além disso, o documento ainda determinava que Gean Loureiro provasse que tinha encaminhado à Câmara o projeto de lei que altera o zoneamento do terreno da futura Casa. 

12 DE JULHO DE 2021


Terminado o prazo da ação judicial, nada foi feito no abrigo Kaingang

No dia em que o prazo terminou não havia qualquer funcionário da prefeitura no local ou sinal de que as obras seriam realizadas. Apenas um banheiro segue sendo dividido por 30 famílias e não há tapumes laterais. As lideranças Kaingang não receberam qualquer informação quanto ao encaminhamento do projeto de lei.


A comunidade afirma que seguirá no local até que a Casa de Passagem seja, enfim, construída.

Durante o verão, feiras de artesanato movimentaram o Ponto de Cultura Goj ty Sá. Os cestos Kaingang, tradicionais na paisagem das praias e do centro de Floripa, também podem ser comprados no local. Atualmente, a comunidade ainda tem feito oficinas de cestaria para ensinar a arte e cultura de seu povo. Os Kaingang têm utilizado a página @goi_tasa no Instagram para anunciar novos eventos e demandas.

Até hoje, não há qualquer previsão concreta sobre a construção da Casa de Passagem neste momento.