ENTOMOLOGIA FORENSE

As moscas e a hora da morte
O livro The washing of wrongs, escrito por Sung Tz’u em 1235, conta a história da elucidação de um crime ocorrido na zona rural chinesa com a ajuda de moscas. A polícia investigava um assassinato ocasionado pelo uso de um instrumento de ação corto-contundente, como um machado ou um facão. Em busca pelas redondezas do local da ocorrência, uma foice chamou a atenção pela quantidade de moscas sobrevoando ao seu redor – provavelmente atraídas pelos odores exalados de substâncias orgânicas aderidas à lâmina. A pista desencadeou um interrogatório realizado com o proprietário da foice, levando-o posteriormente a confessar a autoria do crime, conforme traz Janyra Oliveira-Costa na obra Entomologia Forense (2003).

Publicado no século XIII, livro The washing of wrongs serviu de manual para médicos legistas chineses. Crédito: Wikipedia
Publicado no século XIII, livro The washing of wrongs serviu de manual para médicos legistas chineses. Crédito: Wikipedia
Este foi o primeiro caso relatado na história sobre a aplicação da entomologia forense, área que analisa a presença de artrópodes e outros insetos em cenas de crimes. O estudo possibilita estabelecer o entendimento sobre o processo de decomposição e manipulação de cadáver, uso de entorpecentes, danos em bens imóveis, contaminação de materiais e produtos estocados, dentre outros.
Em seu emprego médico-legal, o método baseia-se na coleta de insetos imaturos sobre o cadáver, na identificação das espécies, pesagem e medição das larvas mais velhas, além da observação das condições ambientais. "A primeira etapa é a investigação da espécie e, para isso, pode ter que haver a manutenção do inseto em laboratório para o desenvolvimento até a fase adulta, visto que fases imaturas, como larvas, são de difícil identificação", diz o professor Carlos Pinto, do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da UFSC. "Os adultos são identificados a partir de bibliografia específica e é necessário o estudo da biologia dos insetos para que se possa fazer um laudo", complementa o docente, que é doutor em Biologia Parasitária pela Fundação Oswaldo Cruz e especialista em perícias criminais ambientais.

Estágios de desenvolvimento do inseto possibilitam a estimativa do intervalo post-mortem (IPM). Crédito: Jin Yeong Kim | Unsplash
Estágios de desenvolvimento do inseto possibilitam a estimativa do intervalo post-mortem (IPM). Crédito: Jin Yeong Kim | Unsplash
A informação da hora da morte, por exemplo, é dada pela estimativa de intervalo post-mortem (IPM). Quanto maior o tempo após o óbito, maior a precisão do IPM baseado em vestígios entomológicos. De acordo com o professor Carlos, ao se conhecer os estágios de desenvolvimento do inseto e a temperatura ambiente, é possível calcular o tempo percorrido até determinada fase (ovo, larva, pupa e adulto) e, consequentemente, há quanto tempo o inseto estaria sobre o cadáver.
A fauna entomológica cadavérica no Brasil apresenta uma ampla diversidade de espécies e características próprias. "A fauna é diferente entre países e entre regiões de um país. Aspectos com altitude, vegetação, urbanização e clima, entre outros, influenciam nas espécies que ocorrem em um local. Por isso, são importantes os estudos básicos da fauna de insetos para seu uso como vestígios em processos legais", salienta o professor.
Análise identifica contaminação de produtos
No cotidiano, a entomologia forense é dividida em três categorias distintas: urbana, produtos estocados e médico-legal. Enquanto esta última é normalmente utilizada em casos de mortes, em que há a presença de insetos em cadáveres ou alguma relação entre um corpo e a fauna necrófaga, a entomologia urbana é aplicada, especialmente, em controvérsias relacionadas a cupins, baratas e outros grupos de insetos em ambientes criados pelo ser humano. “Uma situação possível, mas pouco frequente, é a presença de insetos em imóveis que possam gerar um processo legal, como cupins em edificações. Por exemplo, se uma pessoa vende um imóvel e o comprador descobre depois que ele está infestado por cupins. Havendo um processo legal, os insetos podem nos dar pistas se estavam antes da venda ou não”, revela Carlos.
Já a entomologia de produtos armazenados envolve a análise da presença de insetos em depósitos, armazéns e em embalagens de produtos alimentícios – ou quando estes são encontrados em parte ou todo dentro do alimento. A presença de insetos em produtos industrializados pode indicar falha no processo de fabricação ou erro no armazenamento da matéria-prima. Esta negligência pode levar determinados produtos a um nível de infestação consideravelmente perigoso à saúde humana ou animal. Porém, em alguns casos, o trabalho de investigação revela também fraudes de consumidores na alegação de contaminação de produtos adquiridos previamente.

Superior Tribunal de Justiça condena fabricante com produtos contaminados. Crédito: Site STJ
Superior Tribunal de Justiça condena fabricante com produtos contaminados. Crédito: Site STJ