RIBEIRÃO DA ILHA

Conheça a história, cultura e gastronomia de um dos bairros mais antigos de Florianópolis

Localizada no sul da ilha, o bairro Ribeirão da Ilha é rico em cultura, gastronomia e história. O bairro preserva sua forte cultura e arquitetura açoriana, desde quando seus primeiros imigrantes chegaram, vindos do Arquipélago dos Açores.  O Ribeirão é o segundo bairro mais antigo de Florianópolis (O primeiro é Santo Antônio de Lisboa, localizado na região norte da ilha). Com hábitos e traços herdados pelo povo açoriano, os nativos mais antigos buscam manter a cultura, apesar do crescimento urbano. O local se tornou objeto de estudo por conta da sua preservação cultural e histórica e é convidativo quando o assunto é gastronomia. 

 Atualmente o Ribeirão é muito conhecido por sua especialidade em frutos do mar. O setor vem se desenvolvendo e se tornando um atrativo aos moradores e diversos turistas que enchem o bairro durante a alta temporada, com uma vila gastronômica famosa e com restaurantes de tradição familiar, fazendo do bairro uma referência em boa comida e hospitalidade.

História e Cultura

Por volta de 1506 chegaram ao Ribeirão, seus primeiros colonizadores. Segundo historiadores, os registros mais antigos de presença humana na região foi na década de 1960, pelo arqueólogo e padre João Alfredo Rohr. Foi quando houve retiradas de areias da terra para realização de uma construção e localizaram um esqueleto humano. Nessa época o padre Rohr, acabava de descobrir um grande sítio arqueológico na Tapera ( bairro vizinho ao Ribeirão da Ilha).  

O local teria sido ocupado por indígenas da tradição Guarani e antes pelo grupo nomeado Jê, conhecidos pela prática da caça e coleta, habilidades na fabricação de cerâmica e sua organização em grupos. Alguns moradores contam que cerca de cem pessoas fizeram do  Ribeirão sua moradia,  os principais colonizadores vieram de várias ilhas do Arquipélago dos Açores, mas há registros também de imigrantes, alemães, espanhóis e do continente africano.

Trazidos com objetivo de trabalharem em lavouras e caça de baleias, a imigração açoriana da região foi comandada pelo Manoel de Valgas Rodrigues, que fundou a Freguesia de Nossa Senhora da Lapa do Ribeirão. Ele produzia alimentos em suas lavouras que eram enviados para as tropas sediadas no forte. Se atualmente o Ribeirão da Ilha se destaca por sua culinária rica em frutos do mar, antigamente a região era conhecida pela produção de hortaliças, cultivo de cana de açúcar, mandioca e entre outros alimentos. 

Quando se tornou vila, no início do século XX, havia cerca de oitenta engenhos de farinha na localidade e começava a criação de gado em planícies. A tradição pesqueira e a maricultura só tiveram início depois de 1950 e se tornavam a principal atividade econômica da região. Isso ocorreu por conta da diminuição das atividades de agricultura e pecuária, que começaram a vender terrenos para construção de moradias e estabelecimentos. 

Neste mesmo período começou que estradas começaram a ser construídas para ligar o Ribeirão ao centro de Florianópolis. Tornando o bairro mais acessível e almejado por moradores de outras localidades.

Ano de 1970

Foto: Ducampeche.com - Rod. Baldicero Filomeno

Ano de 2023

Foto: Sara Jesus - Rod. Baldicero Filomeno

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Gastronomia

Ribeirão tem a gastronomia como sua especialidade em Florianópolis, não fugindo do restante da Ilha. A produção de frutos do mar é o carro chefe local, como as ostras, mariscos, peixes e camarão fez com que o bairro se tornasse um dos principais atrativos turísticos em gastronomia da Ilha. Só de caminhar na rua principal do bairro, é possível encontrar diversos restaurantes e barzinhos que contam com esses frutos do mar.

A região é uma das principais referências nacionais neste tipo de gastronomia. Já que Santa Catarina é a responsável por 95% da produção de mexilhões e ostras no Brasil, segundo dados de 2021.  

Rogério Carvalho, 46 anos, está na ilha desde 1998, hoje em dia trabalha no restaurante Muqueca da Ilha, localizado no Ribeirão da Ilha, onde a construção de 1848 foi passando de geração em geração, e por fim comprada por seu irmão Any Carvalho, 54 anos, está na ilha desde 1987. “As prateleiras são da época de 1930, os vidros tem algumas anomalias até.” - Diz Rogério.

O Ribeirão da Ilha que hoje é conhecido pela alta produção de frutos do mar, já foi um dia palco para a produção de café sombreado, além de ter existido ali muitos engenhos de farinha de mandioca. Rogério diz ainda que “Tinham vários alambiques e antiguidades, hoje temos só um. Os engenhos de farinha ainda existem somente lá no Sertão do Ribeirão.”

Foi quando em 1996 visionários da gastronomia encontraram no Ribeirão da Ilha uma oportunidade de crescimento com a produção de ostras. Rogério diz ainda que “passaram a ter essa alternativa para incluir um produto totalmente novo, e que a procura de fora do Brasil ficou muito cogitada. Então de 96 pra hoje, o crescimento para tanto visitantes como moradores foi grande, fugiu de um local onde se trocava casas e terrenos por geladeira e televisão, pra hoje que os valores estão altos.”

O manezinho sempre ouviu muitas histórias sobre o bairro, a migração dos habitantes do antigo desterro e sua colonização, além da cultura e até mesmo o período de trabalho escravista na região. “Tem muitos pontos históricos no Ribeirão, a intendência, pontos onde as pessoas faziam escambo…”

Rogério também contou um pouco sobre a história da arquitetura e costumes dos primeiros moradores do bairro: “Quem tinha mais poder aquisitivo tinha casa com eira e beira, a maioria das casas possuem isso. Além disso, outro ponto que mostrava o poder que cada família tinha, era que a casa que tinha mais vidros nas janelas eram as casas que mais tinham dinheiro, para expor mesmo o quanto tinha a família.

(Função do Rogério) conta também a história que sabe sobre a igreja católica do bairro, que fica a poucos passos do restaurante. “A primeira igreja foi uma capela, que quando atingiu mais de 1200 habitantes, ou almas passou a ficar um local muito pequeno, então foi onde em 1806 construíram a nova igreja que é a nossa senhora da lapa, então é um local muito histórico. Tinha imagens na parede interna da igreja contando trechos bíblicos, eram bem interessantes.”

Glossário da sessão:

Café sombreado: Café cultivado na sombra, era o método de produção utilizado antes da industrialização.

Alambiques: Equipamento para se fazer cachaça artesanal.

Intendência: A Intendência do Ribeirão da Ilha surgiu antes mesmo da Prefeitura de Florianópolis, e hoje atua ainda no segmento de Prefeituras Municipais.

Casa com eira e beira: Eira é um terreno de terra batida ou cimento onde os grãos ficam ao ar livre para secar. Beira é uma extensão de telhado que avança além das paredes externas e protege a eira. O que deu origem ao ditado "sem eira e nem beira"

A Igreja Matriz de Quase 300 anos

Criada em 19 de janeiro de 1809, a Igreja Matriz Nossa Senhora da Lapa começou a ser construída em 1763 pelos moradores do bairro (senhores e seus escravos), hoje tem 260 anos de idade. Com azeite de baleia, cal e pedras como material de construção, com 125 palmos de comprimento e três andares. Em outubro de 1845 o Ribeirão da Ilha recebeu a visita do Imperador Pedro II, do Bispo Dom Manoel Rodrigues de Araújo, Princesa Dona Tereza Christina e o Conde de Irajá. 

Durante sua visita, o imperador doou cerca de 400 mil réis, para dar continuidade às obras, reparos e pinturas necessários na paróquia.  Considerada uma joia cultural e histórica, a Matriz é um dos maiores patrimônios religiosos e importantes de Florianópolis. Com uma bela arquitetura toda colonial, torna a igreja um forte ponto turístico no bairro, um verdadeiro tesouro envolvendo cultura, história e religião. 

 Se por fora sua arquitetura é admirável, o interior da igreja é uma relíquia, uma riqueza de detalhes e belas obras de arte, mesmo passado por tantas reformas ao longo dos anos, a Matriz mantém suas belíssimas características originais. 

Encenação da Paixão de Cristo

A encenação da Paixão de Cristo acontece desde 1986 no bairro Ribeirão da Ilha, o espetáculo completa 40 anos. Montada, encenada e realizada pelos moradores do bairro, do sul da ilha e de outras regiões da ilha. O roteiro traz cenas do calvário de Jesus Cristo e mescla com a temática abordada pela campanha da Fraternidade do ano. As apresentações são sempre realizadas na sexta feira Santa na praça da Igreja Matriz do Ribeirão da Ilha. 

O evento é gratuito e o trabalho é feito por voluntários, logo após a encenação, a comunidade é convidada a participar da Procissão do Senhor, que ocorre pelas ruas da Freguesia do Ribeirão da Ilha. Gabriel Samuel de Andrade, participou atuando no espetáculo. “Foram mais de vinte anos participando e a comunidade se empenha muito” , diz ele.

Gabriel mora no bairro, desde que nasceu, sua família é nativa do local. Ele conta que os voluntários se comprometem com o espetáculo, meses antes, “A gente ensaiava todos os dias, a dedicação era fundamental para que tudo saísse perfeito.” Gabriel não participa mais do projeto, por questões de tempo e pessoal. “Precisa se dedicar muito, precisa de tempo, você tem que estar de corpo e alma no projeto.”

Ele conta que vale a pena assistir, é lindo, emocionante e aquelas pessoas em cima do palco dedicaram tempo, esforço e sacrificaram fins de semana para dar o melhor de si nesse espetáculo.

Lendas do Ribeirão

Os colonizadores açorianos trouxeram seus costumes, cultura e crenças e suas bruxas. Os moradores, principalmente de bairros mais antigos como o Ribeirão da Ilha, acreditavam e muitos ainda acreditam que as bruxas roubam canoas de pescadores, gargalhadas e fazem traquinagens com animais domésticos. Como por exemplo, trançar as crinas dos cavalos. 

Lendas  ajudam a manter a cultura, história da localidade e moldar o folclore da cidade. Joice Schussler, mora na localidade conhecida como Sertão do Ribeirão da Ilha, relata que os moradores mais antigos contam para filhos, netos e até bisnetos sobre como as bruxas agem em noites em que a lua está no céu.

“Meu filho, chega à janela do banheiro, com medo que a bruxa entre a noite em casa e o leve.” (Risos)  

Joice mora no Sertão há mais de doze anos e no Ribeirão, desde que nasceu, conta ela. Dentre tantas histórias que envolvem bruxas, uma chama bastante a atenção, as das crianças “embruxadas”, o nome era dado quando a criança ficava doente sem qualquer motivo ou quando os médicos não tinham mais o que fazer pelo paciente. 

Joice explica que a família do seu marido acredita em bruxas e que ela não acredita, que acha ser apenas folclore, porém acredita ser divertido e gostar de ouvir essas histórias. “Aqui acreditam em feiticeiras, benzedeiras e tal… eu acho legal ouvir, principalmente dos mais velhos.”

Reza contra bruxas

Pela cruz de São Saimão que te benzo
Com a vela benta da Sexta Feira da Paixão
Treze raios tem o sol, treze raios tem a lua,
Salta demônio para o inferno que esta alma não  é tua
Tosca, marosca, rabo de mosca,
Aguilhão nos teus pés e relho na tua bunda
Por cima do silvado, por baixo do telhado,
São Pedro, São Paulo e São fontista,
Dentro de casa de São João Batista
Bruxa, tatatabruxa, não entres nesta casa
Nem nesta comarca toda, por todos os Santos dos Santos
Amém.
Fonte: Poranduba Catarinense. Boiteux, Lucas A. Edição da Comissão Cat. de Folclore, Florianópolis, 1957.

Quem somos:

- Sara Jesus, 23 anos de idade e natural de São José, Santa Catarina. Uma pessoa apaixonada por histórias e pessoas que se identificou com o curso de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina.

- Rosângela de Matos, natural de Nova Trento, Santa Catarina. Cursa Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina. Ama ouvir as pessoas, acredita que cada pessoa é um universo e isso, a fez ser apaixonada por pessoas.