Jabuticaba valorizada: método desenvolvido por pesquisadora da UFSC aproveita resíduos da fruta

Tese foi desenvolvida por Laís Benvenutti no Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Alimentos. Trabalho conquistou Menção Honrosa no Prêmio Capes de Tese 2023.

Aproveitar o subproduto da jabuticaba para a extração do espessante pectina e do corante antocianina com um método combinando solventes eutéticos profundos e tecnologias de fluidos de alta pressão: apoiada nesta concepção, a pesquisa de Laís Benvenutti no Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Alimentos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) recebeu menção honrosa no Prêmio Capes de Tese 2023. A tese foi orientada Sandra Regina Salvador Ferreira e coorientada por Acácio Antonio Ferreira Zielinski. Ambientalmente amigável, a abordagem valoriza uma fruta característica do Brasil e proporciona uma utilização para um resíduo que seria descartado e mostra uma alternativa tecnológica para a indústria.

Laís já tinha trabalhado com outros frutos e resíduos agroindustriais sua ideia principal era valorizar um subproduto da indústria alimentícia. “Escolhemos o resíduo da jabuticaba porque é um fruto brasileiro, tem bastante impacto pelo potencial de compostos bioativos, principalmente a antocianina, que tem um elevado potencial antioxidante. A principal causa da escolha da jabuticaba foram essas duas: ser brasileira e ter muitas particularidades”, explica a pesquisadora. Ela conta que a jabuticaba é chamada de “fruta berry brasileira”, a exemplo de blueberry e outras com potencial para a saúde humana. “Ela é produzida no caule da árvore, aqui todo mundo está acostumado, mas ela é muito curiosa, principalmente para quem é de fora do Brasil”, cita.

Equipamento utilizado para extração das substâncias com solventes eutéticos profundos, a partir dos resíduos da jabuticaba.

Extrato de antocianina: de cada 100 gramas de resíduo, são produzidas 110 miligramas do composto.

Se a indústria descarta cerca de 40% da jabuticaba durante a produção de geleias, o uso de solventes eutéticos profundos aliado a um método de alta pressão foi a maneira alternativa encontrada pela pesquisadora para realizar a extração das substâncias. “Os DES são solventes emergentes, surgiram há pouco tempo, a data de início dos estudos deles é 2013. A proposta é que não agridam o meio ambiente, sejam ambientalmente amigáveis, sustentáveis, e que tenham alto poder de solvatação, de retirar esses compostos de interesse. Curiosamente, são formados a partir de dois componentes sólidos na temperatura ambiente, e a mistura exata desses dois ou mais componentes torna-se um líquido”, frisa Laís. Os compostos utilizados são os ácidos málico e cítrico, presentes em diversas frutas, e cloreto de colina, muito utilizado em produtos alimentícios e cosméticos – ambos permitidos em alimentos e que não trazem malefícios ao consumidor final ou ao operador encarregado de fazer a extração.

Os DES substituem solventes mais voláteis, muitos com origem petroquímica, com alto potencial para agredir o meio ambiente por serem corrosivos e altamente inflamáveis. As tecnologias de alta pressão usadas para extração da pectina e antocianina permitem uma diminuição considerável do tempo dos processos: sem os DES, elas duram em torno de seis horas; com os DES, a pectina é obtida em cinco minutos, e a antocianina, em vinte minutos. São processos muito rápidos, assegura a pesquisadora, acrescentando que uma menor quantidade de solvente é necessária porque a extração é facilitada pela alta pressão. O procedimento também é sequencial: “Da mesma porção é fracionada primeiro a antocianina e depois a pectina. O material que sobra é basicamente fibra. São obtidos três subprodutos sem a geração nem um resíduo. Os extratos podem ser aplicados diretamente sem a remoção do solvente, porque o DES pode ser incorporado no alimento”, comenta Laís.

Para chegar ao processo final, várias etapas precisaram ser arranjados conjuntamente. Primeiro, é elaborado o solvente – para o propósito do estudo de Laís, das várias técnicas, a mais simples foi utilizada: a mistura de dois componentes, seguida pela agitação mecânica. Depois de formado o solvente, ele vai para um equipamento chamado de PLE junto com o resíduo da jabuticaba. A abordagem de Laís Benvenutti é ambientalmente amigável porque atende alguns requisitos em relação ao gasto energético, consumo e periculosidade do solvente e resíduo gerado, os quais foram quantificados por uma ferramenta denominada Certificado Verde. “Esta técnica de extração é facilmente escalonável e tem baixo custo de operação. Já existem unidades em escala industrial, portanto, essa abordagem pode ser projetada para empresas brasileiras”, observa a pesquisadora.

Pectina e antocianina

A pectina é um polímero composto principalmente por resíduos de ácido galacturônico e outros açúcares. “Ela é utilizada na indústria como espessante, gelificante ou estabilizante em diversas formulações, como geleias, por exemplo”, diz a pesquisadora. Extraída principalmente da maçã, a pectina utilizada atualmente é extraída em meio ácido, num processo que não é tão “verde” quanto o proposto por Laís. “A pectina é fortemente ligada na matriz, precisa de uma hidrólise química para poder retirar esse material. A combinação da alta pressão com os DES facilita a extração dela. É mais pelo processo de obtenção da pectina e não pelo por ser a pectina da jabuticaba”, avalia a pesquisadora.

Antocianina é o composto que dá coloração entre vermelha e roxa nos frutos. “É encontrada também na casca da maçã, na uva, no blueberry. Pode ser utilizada como um corante natural e tem a curiosidade também de modificar essa tonalidade da cor dependendo do PH. A gente consegue desde uma corzinha mais rosa até uma roxa ou, quando pH é mais básico, até um tom meio esverdeado”, conta Laís. A obtenção da antocianina, das formas mais “tradicionais”, é mais trabalhosa, uma vez que apresenta baixa estabilidade. “A antocianina é bem instável, com o processo térmico e a mudança do PH. Ela é fácil de extrair, mas é necessário que seja protegida e na tese mostramos que os DES mantêm a estabilidade da antocianina, a principal dificuldade na indústria hoje”, pontua. A pesquisadora afirma que o corante natural tem um potencial enorme, mas não é utilizado porque o corante sintético é muito mais fácil de ser aplicado. “Hoje em dia há um movimento bem grande no Brasil em busca de ingredientes nacionais para baratear o produto final. O país tem um potencial gigantesco, uma vasta variedade de frutos ainda subutilizados. Teria mesmo uma aplicação industrial, mas isso ainda é desconhecido”, reforça Laís.

Emulsão feita com pectina extraída em laboratório: de cada 100 gramas de resíduo de jabuticaba, são produzidas 13 miligramas do composto.


Macaúba

Depois de defender sua tese, no estágio de pós-doutoramento, Laís Benvenutti investigou os subprodutos provenientes da obtenção do óleo de macaúba por meio de processos de extração ambientalmente amigáveis. Foram obtidos quatro produtos da amêndoa e quatro produtos da polpa da macaúba. “O foco do nosso trabalho foi recuperar a proteína a partir do resíduo da macaúba e verificar a qualidade dela”, comenta a pesquisadora. Os resultados ainda não foram publicados.

O trabalho do pós-doutorado foi financiado pelo GFI Brasil, uma organização não governamental interessada em encontrar opções para o mercado de proteínas alternativas no Brasil. “O número de veganos, vegetarianos e pessoas interessadas em diminuir o consumo de carne de origem animal tem aumentado. O mercado brasileiro apresenta necessidade de desenvolver novos produtos, com sabor mais próximo possível dos produtos de origem animal”, destaca Laís. A maior dificuldade das indústrias é encontrar proteínas com alta qualidade tecnológica, brasileiras e com custo aceitável. Entre os frutos de interesse estava a macaúba, palmeira produzida no Centro do Brasil, cujo óleo é utilizado em biodiesel e cosméticos. “O óleo é obtido por prensagem e os resíduos desse processamento são chamados de torta. No caso da Macaúba, há duas tortas: a da amêndoa, que é no centro do fruto e é rico em proteína, e o da polpa, que apresenta coloração amarelada, rico em beta-caroteno e outros compostos bioativos”, observa a pesquisadora.