Por que 18?

Você lembra como era a vida em 2002? Na TV, o Cafu erguia a taça da FIFA de uma seleção pentacampeã mundial. Na rádio, Tribalistas entoavam “Já sei namorar, já sei beijar de língua, agora só me resta sonhar 🎵”. O grupo Rouge era formado e Pedro Bial nos apresentava a casa mais vigiada do Brasil. O piercing no umbigo era a tendência e a nota de 20 reais, a novidade. Não tinha nem Orkut, muito menos Twitter, Facebook, Instagram ou TikTok.
Também nesse ano nasciam as meninas que, em 2020, se preparam para ser mulheres adultas. Aos dezoito: vozes de uma geração é uma série de perfis jornalísticos que retrata quem são e o que pensam jovens mulheres deste mundo conectado. Dezoito anos marcam um momento simbólico, um rito de passagem, com mudanças e decisões importantes. É uma idade como todas as demais, mas singular como nenhuma outra.
Para proporcionar a maior riqueza e diversidade nesta grande reportagem, as protagonistas desta história têm diferentes raças, orientações sexuais, crenças e realidades socioeconômicas. Compartilham, além da idade, a região onde vivem: Diniz, Lorena, Maria e Renata são moradoras da Grande Florianópolis, em Santa Catarina. A exceção é Sulihana, que divide seu tempo entre Blumenau e a Terra Indígena Ibirama-La Klãnõ.
O que faz de alguém adulta? Trabalhar, casar, ser mãe? No Brasil, 2,4 milhões de crianças e adolescentes estão em situação de trabalho infantil. Aos 18, uma a cada quatro meninas no país já se casou. Anualmente, mais de 430 mil adolescentes brasileiras dão à luz. A resposta é mais complexa do que pode parecer à primeira vista.
Atingir os 18 anos é um desafio prático e emocional, que envolve sonhos, angústias e um anseio característico por liberdade e independência. Podemos votar e dirigir, ir a festas e frequentar bares. Muitas de nós decidem o que querem estudar, sonham em sair da casa dos pais e vivem os deliciosos romances e dramas adolescentes.
Chega à vida adulta uma geração que veio para transformar o mundo, que provoca mudanças enquanto descobre a melhor forma de fazê-lo. Este é um convite para escutar jovens mulheres que têm muito a dizer, e o fazem.
O que meninas de 18 anos estão escutando? De Elis Regina à Linn da Quebrada, do pagode ao 'sad song'. Abaixo você confere uma playlist com músicas indicadas ou mencionadas durante as entrevistas. Aproveite!
Além das cinco meninas perfiladas, foram entrevistadas outras várias que contribuíram para a melhor compreensão do complexo universo dos 18 anos. Por uma séria de razões em um ano diferente como é 2020, suas histórias não integram esta reportagem. Ainda assim, registro abaixo um pouco sobre elas:
Alice chegou contando que não gosta quando dizem o que ela deve fazer. Não sentiu diferença ao completar 18 anos, a não ser pelo fato de poder comprar bebida ou ir a festas mais tranquila, sem precisar pedir o RG de alguém emprestado. Joana também não viu nada demais na idade. “Adolescente hoje em dia já bebe, se droga, faz tudo”. Às vezes sente que começou tudo cedo demais. Ela namora desde os 14, diferente da Luana que está no seu primeiro relacionamento. Esperou virar a meia-noite de 1º de janeiro de 2020, ano em que completaria 18 anos, para contar ao pai sobre o namoro. Enquanto Victória, que não liga para festas, reparou apenas que com a idade foi se aquietando e se fechando mais.
Duda, figueirense de carteirinha, estava na busca por um emprego e achou que a complicação era por ter 17. Fez 18 e percebeu que não era isso. Já Luíza trabalha desde os 14, entre faxinas, bicos em eventos e sessões como manicure. Para ela, mudaram, sim, suas responsabilidades. “Depois dos 18, tu tem que arcar com as consequências de tudo que tu faz”, escuta da mãe desde sempre.
Suellem foi mãe aos 15 e é adulta desde os 10. Na cultura indígena Guarani, conta, quando a menina menstrua pela 1ª vez, já tem que cuidar da própria vida. Ao completar 18 anos, pelos olhos da aldeia, já se é muito mais velha. Ainda assim, foi nessa idade que Suellem se divorciou e resolveu ir morar só ela com os dois filhos.
Amanda também mora sozinha, mas por conta da faculdade da Moda. É preocupada com questões financeiras e quer ser independente logo. Beatrice já não tem tanta pressa e aproveita para curtir sua adolescência.
Ana Clara não tinha qualquer expectativa, achava que nada mudava aos 18, mas ganhou mais liberdade dos pais, formou-se no Ensino Médio e encara um leque de possibilidades. “Antes eram só ideias. Agora é uma sensação diferente. Eu posso fazer as coisas!”
Agradeço a cada uma das entrevistadas por terem confiado suas histórias à jornalista do lado de cá. Como é marcante em 2020, nossas conversas aconteceram principalmente através de videochamadas. Entre memórias de infância e planos para o futuro, me contaram qual sua altura, as tatuagens que marcam seus corpos e descreveram seus quartos — o cômodo favorito de quase todas elas. Me emprestaram seus olhos, ouvidos, boca e nariz nas cenas que quis, mas não pude presenciar.
Mais uma vez, meu muito obrigada! 💖✊♀️
Ilana Cardial
Esta reportagem foi apresentada como Trabalho de Conclusão de Curso no Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina, a UFSC, em 2020. Produção de Ilana Cardial sob orientação da Profª Dra. Stefanie Carlan da Silveira. A jornalista e amiga Lívia Schumacher Corrêa colaborou com a revisão dos textos e edição de fotos.
