SheinLândia: a terra virtual da marca chinesa que dominou as redes
De vilã do Fast Fashion à “queridinha” entre influenciadores nas redes sociais, varejista chinesa Shein atrai jovens trazendo tendências da moda de forma inclusiva e acessível

Acessar o site e o aplicativo da varejista chinesa Shein se tornou rotina para inúmeros brasileiros durante a pandemia de covid-19. Na vitrine online, a diversidade de peças de roupas e acessórios a preços muito abaixo que os encontrados no mercado nacional saltam aos olhos tanto quanto os cupons de desconto que a loja oferece a cada nova visita do usuário. Quem não gosta de comprar com “frete grátis para compras acima de R$ 149”, cupons de desconto acima de 10% do total, como “R$ 60 off em compras acima de R$ 400”, e “até 80% de desconto”?

Jovens produzem vídeos provando peças da marca na internet. Foto: Reprodução/Shein.
Jovens produzem vídeos provando peças da marca na internet. Foto: Reprodução/Shein.

Jovens produzem vídeos provando peças da marca na internet. Foto: Reprodução/Shein.
Jovens produzem vídeos provando peças da marca na internet. Foto: Reprodução/Shein.

Jovens produzem vídeos provando peças da marca na internet. Foto: Reprodução/Shein. Foto: Reprodução/Shein
Jovens produzem vídeos provando peças da marca na internet. Foto: Reprodução/Shein. Foto: Reprodução/Shein

Jovens produzem vídeos provando peças da marca na internet. Foto: Reprodução/Shein.
Jovens produzem vídeos provando peças da marca na internet. Foto: Reprodução/Shein.
Fundada em 2008, a antiga SheInside hoje atrai a clientela jovem principalmente pelas redes sociais, mas não só pelo perfil da marca no Instagram, acompanhado por mais de 19 milhões de pessoas. Vídeos provando roupas e acessórios da varejista viraram tendência tanto entre instagrammers quanto entre os influenciadores do aplicativo vizinho, o TikTok.
Como num conto de fadas, o encanto da Shein logo se transforma em mistério quando é colocada em pauta sua postura escusa acerca do modo de produção dos mais de 500 itens novos que entram para o catálogo da empresa todos os dias, como ela própria declara. Além da ausência de um código de ética no site ou aplicativo da companhia, as receitas da varejista também permanecem às escuras. Um artigo da Forbes estipula, no entanto, que estejam estimadas em mais de US $10 bilhões anuais e continuaram a crescer durante a pandemia.
Operando apenas pela internet, a Shein não tem loja física e investe numa rede ampla de distribuição ao redor do globo: a varejista faz envios para 220 países, com sites na Europa, Estados Unidos, Oriente Médio e Austrália. Foi pela web que Kelly Cabral, estudante de moda, conheceu a marca. “Eu uso muito o Twitter e começaram a aparecer várias propagandas da Shein, mas eu nunca dei muita atenção, até o momento em que uma amiga próxima minha comprou bastante coisa”, conta ela, complementando que a pandemia também a impulsionou na compra. “Eu provavelmente não teria dado atenção para a Shein se estivesse em um momento normal. Eu consumi mais na pandemia porque o dinheiro que eu usava pra sair, ir ao cinema, restaurante, eu apliquei tudo em compras online”, conclui.

Assim como Kelly, centenas de brasileiros fizeram compras online durante a pandemia. Conforme dados do relatório Setores, do E-commerce Brasil, 86% dos usuários de internet do país realizaram compras online durante a pandemia. A pesquisa também mostrou que roupas e acessórios são as categorias preferidas para compra.
Nesse cenário, a Shein se mostrou atrativa para muitos jovens devido ao baixo custo das peças, o que desperta também a atenção sobre as problemáticas acerca do modelo de produção. Ao se deparar com croppeds de 20 reais, bolsas de 30 e acessórios por até menos de 10 reais, Kelly não pôde deixar de pensar: “certamente, as pessoas que estão fazendo isso não estão sendo remuneradas como elas deveriam”.

Peças da Shein adquiridas por Kelly (biquínis, case de celular, óculos de sol e uma camisa que ela mostra na foto em frente ao espelho). Fotos: Reprodução/Acervo pessoal.
Peças da Shein adquiridas por Kelly (biquínis, case de celular, óculos de sol e uma camisa que ela mostra na foto em frente ao espelho). Fotos: Reprodução/Acervo pessoal.

Foto: Neide Schulte/Acervo pessoal
Foto: Neide Schulte/Acervo pessoal
A professora e pesquisadora de Moda da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Neide Schulte, afirma que “roupas baratas sempre têm um custo alto, social e ambiental”. Ela complementa que a Shein é um bom exemplo do sistema de loja Fast Fashion, o que, segundo ela, é um modelo preocupante. “Por que a gente precisa comprar tanta coisa? Às vezes, as pessoas não têm nem pra onde ir, principalmente agora na pandemia. Então, o consumo acaba sendo um escapismo. A pessoa consome para preencher algo que está faltando, mas será que o consumo é a solução?”, questiona a pesquisadora, que também coordena o Programa de Extensão Ecomoda da UDESC.
O documentário The True Cost (O Preço Real, em português), lançado em 2015 e dirigido por Andrew Morgan, aborda temáticas centrais sobre o modelo de produção do Fast Fashion. No início, o narrador informa que “esta é uma história, sobre as roupas que vestimos, as pessoas que fazem essas roupas, e sobre o impacto no nosso mundo”. O longa mostra um pouco da história da indústria da moda, a segunda mais poluente, trazendo à tona impactos sociais, econômicos e ambientais dessa indústria.
A Shein e o modelo de produção Fast Fashion
A Shein se encaixa no mesmo modelo de produção mostrado no documentário de Andrew Morgan, a Fast Fashion ou moda rápida, em português. Resultado da aceleração dos processos de produção, principalmente a partir da revolução industrial, a Fast Fashion pressupõe o barateamento da mão de obra e da matéria prima da indústria da moda, produzindo cada vez mais e mais rápido. Por isso o site da varejista chinesa é atualizado frequentemente com novas coleções.
Para Neide Schulte, este modelo de produção está em declínio. “Eu acho que Fast Fashion não tem jeito. Produzir rápido e barato. A gente vai ver o declínio disso, porque isso não se sustenta. O que vocês vão ver é o declínio disso e ascensão de marcas, com conceitos, que produz pagando de forma justa, como a Hering, por exemplo”, conclui a pesquisadora, referindo-se à marca brasileira.
Made with Visme
Acerca do custo real deste modelo de produção, a pesquisadora é enfática ao afirmar que:
“não existe um jeito de produzir barato, com a matéria prima adequada e pagando de forma justa os trabalhadores. Não dá pra não poluir o meio ambiente com a fábrica e tudo isso, porque isso também tem um custo”.
A estudante de direito Luiza Ferreira acredita que os preços das roupas no Brasil aumentaram muito durante a pandemia. Para continuar renovando o guarda-roupa, afirma que precisou, em alguns momentos, abrir mão da qualidade. Cliente regular da marca, conta que já realizou diversas compras na Shein, que costumam chegar com quatro semanas em Florianópolis depois de percorrer os mais de 16,6 mil quilômetros que separam o Brasil da China.
Made with Visme Presentation Maker

Além dos preços baixos, a variedade também chamou atenção da estudante. “Acho que as roupas que eles fazem a gente não encontra aqui. A gente encontra uma peça ou outra, mas não nessa variedade e estilo”. Quando os produtos chegam, Luiza produz resenhas das peças para suas seguidoras nas redes sociais. “Eu faço vídeos no TikTok de tendência, e quando as meninas vão me perguntar aonde tem, faço uma caça em todas as lojas e nunca tem em nenhuma loja daqui. As roupas da Shein chegam na minha casa depois, mas é o primeiro lugar que tem a peça. Então eu acabo recomendando, sim”, conclui Luiza.

A bolsa marrom na terceira foto foi a primeira compra de Luiza na Shein. A blusa preta na primeira foto e a calça branca também são da marca.
A bolsa marrom na terceira foto foi a primeira compra de Luiza na Shein. A blusa preta na primeira foto e a calça branca também são da marca.
Roupas baratas e moda inclusiva
Entre roupas de banho, blusas, shorts e acessórios, a estudante de moda Eduarda Buocco já fez três compras na varejista chinesa Shein. A primeira delas, em setembro do ano passado, foi logo depois de sua prima a colocar num grupo privado no Facebook em que milhares de usuárias compartilham suas experiências de compras na Shein. O espaço é também um local de troca das roupas que não serviram ou que não eram como o esperado.

Eduarda não precisou recorrer a isso. À exceção de uma calcinha de biquíni, todas as peças que comprou lhe serviram perfeitamente, e foi exatamente o bom caimento das roupas que a fizeram comprar de novo e de novo. A jovem conta que nunca esteve "100% feliz com as roupas que estava comprando", até encontrar a Shein, sentindo-se enfim realizada. Pela varejista, teve acesso às roupas no estilo que sempre quis - “bem coisa de Pinterest, sabe?” -, num preço acessível e tamanho adequado, diz ela, referindo-se a um aplicativo que reúne vídeos e imagens para inspiração sobre diversos temas, incluindo moda. “Às vezes, eu via uma roupa legal, mas a modelo era sempre magra. Quando eu entrei na Shein, tinha uma aba para plus size com mulheres reais e mulheres gordas, com roupa ‘de magra’, sabe? Então, aquilo foi uma realização muito grande pra mim”, relata Eduarda.

Peças da Shein adquiridas por Eduarda Buocco (top e saia, biquíni e maiô). Foto: Reprodução/Acervo pessoal.
Peças da Shein adquiridas por Eduarda Buocco (top e saia, biquíni e maiô). Foto: Reprodução/Acervo pessoal.
Não só o caimento como o tecido das roupas surpreenderam a consumidora. “A qualidade das roupas é parecida com a Renner e com aquela Pop Me também. Não achei ruim pelo preço”, comenta a estudante, comparando as peças com lojas de Fast Fashion populares no Brasil. Sem nunca ter tido problemas com tempo de entrega ou alfândega, Eduarda conta que indicaria a loja para quem perguntasse, mas com ressalvas, principalmente porque estuda questões relacionadas ao trabalho escravo e infantil no segmento Fast Fashion.
Além dessa problemática, ainda destaca os casos de plágio em que a Shein esteve envolvida. Em janeiro deste ano, a influenciadora digital Jade Picon denunciou em seus stories no Instagram que a varejista chinesa teria copiado as estampas de sua marca, a Jade Jade, e que esta não teria nem sido a primeira vez. Em resposta, a Shein declarou que removeu as peças do site e estava tratando da situação com a influenciadora.
Nova história para a moda
Não são só as grandes marcas de Fast Fashion que usam a internet para vender e se popularizar. Foi no Instagram que Josyanne Pasetti Alves viu seu brechó, o Garimpos, crescer e se popularizar. Na rede social com quase nove mil seguidores, Josyanne define que o brechó vem “ressignificando peças vintages, contemporâneas e atemporais desde 2018”. Redes sociais e sites de vendas online têm contribuído para o boom do movimento Slow Fashion no Brasil. Segundo o relatório de inteligência do Sebrae de 2015, o número de brechós cresceu 210% no Brasil entre 2010 a 2015.


Peças do Garimpos. Foto: Reprodução/Arquivo pessoal.
Peças do Garimpos. Foto: Reprodução/Arquivo pessoal.

Embalagem da marca criada por Josyanne. Foto: Reprodução/Arquivo pessoal.
Embalagem da marca criada por Josyanne. Foto: Reprodução/Arquivo pessoal.

Área de trabalho de Josyanne. Foto: Reprodução/Arquivo pessoal.
Área de trabalho de Josyanne. Foto: Reprodução/Arquivo pessoal.
Enquanto cursava história na UFSC, a estudante sempre gostou de comprar e vender suas roupas em brechós perto da Universidade. Ela também vendia suas roupas em um grupo no Facebook e logo percebeu que suas roupas eram vendidas mais rapidamente. “Eu tinha talento para tirar fotos, tirar medidas”, conta ela. Foi então que decidiu começar a garimpar profissionalmente e criou o Garimpos, que envia para todo o Brasil. Dessa forma, ela faz com que peças descartadas por Fast Fashion possam ser vendidas por um preço mais acessível novamente.
“Basicamente eu tenho uma listinha de bazares, que são bazares beneficentes. São locais que recebem tanto doações da Renner quanto da Youcom, são peças que são descartadas por conta de pequenos ou grandes defeitos, sujeira na loja, pelos mais variados motivos. Agora na pandemia a maioria está com hora marcada, mas eu vou procurar, caçar tesouro”, explica Josyanne. Apenas com essas peças de garimpo, ela consegue atualizar o site ao menos três vezes na semana.
Os brechós representam uma alternativa sustentável à moda rápida e tem sua origem na Itália, na década de 1990. “Slow Fashion é pensar: eu preciso mesmo seguir tudo isso? Ou será que posso viver de uma maneira diferente? São visões de mundo, não são só estilos, modas, de roupa e de produção, de consumo”, define a pesquisadora Neide Schulte. “É a troca do desprezo pela empatia”, finaliza.
"A mágica do brechó é conseguir transformar o olhar das pessoas sobre uma peça que elas não olhariam duas vezes num cesto ou num cabide torto num bazar”
Para a proprietária do Brechó Garimpos, “a mágica do brechó é conseguir transformar o olhar das pessoas sobre uma peça que elas não olhariam duas vezes num cesto ou num cabide torto num bazar”. Josyane acrescenta que, em relação ao Fast Fashion, o brechó é vantajoso porque apresenta peças exclusivas e ajuda a colaborar por um mundo mais sustentável.
Entretanto, Josyanne não considera os brechós totalmente inclusivos. “A gente tem dificuldade de achar roupas masculinas, de achar roupas de tamanho grande que sejam legais, maior que 46 ou 48 com um tecido fresco e de qualidade. Eu não consigo atender todo mundo, mas é uma preocupação sincera”, finaliza.
Novas formas de consumo
“Uma loja de aluguel de roupas casuais totalmente sem regras”. A biografia do Instagram com mais de 90 mil seguidores resume o conceito da loja Não Tenho Roupa, de Florianópolis, mas também mostra uma forma de consumo diferente da usual: o aluguel de roupas casuais.
“Ao invés da pessoa comprar uma blusinha de 150 reais, ela aluga de uma marca muito superior por 100 e ela vai usar exatamente o que ela quer. É uma maneira muito mais gostosa de se vestir e muito mais livre, que te deixa realmente testar e achar o teu estilo”, explica Paula Salum, uma das idealizadoras do projeto.
Nesse post do Instagram, Paula e Victoria explicam como funciona o aluguel de peças da Não Tenho Roupa.
A ideia de criar uma loja com aluguel de roupas casuais surgiu em 2018, mas a loja começou em setembro de 2019, depois de Paula e Victória Scherer realizarem uma pesquisa para instituir o aluguel em Florianópolis. Foi pelo Instagram que elas começaram a apresentar a ideia e, por meio de vídeos e interação nos stories, conseguiram um número expressivo de seguidores.
Victória Scherer, à esquerda, e Paula Salum, à direita. Fotos: Reprodução/Arquivo pessoal.
Com a pandemia, o aluguel parou em março de 2020, mas elas continuaram utilizando o Instagram para divulgar o trabalho. Atualmente, elas fazem alguns aluguéis, mas não querem suas roupas vinculadas a eventos que acontecem em meio a pandemia. “O nosso objetivo é ser um canal entre marcas para que elas cheguem aos clientes através do aluguel”, explica Paula. Por isso as roupas disponíveis para o aluguel não são básicas, mas com estampas e cores diferentes das usuais.

Peças do catálogo online da marca. Fotos: Reprodução/Não Tenho Roupa.
Peças do catálogo online da marca. Fotos: Reprodução/Não Tenho Roupa.
Além de uma forma nova de consumo, o aluguel também contribui com a sustentabilidade na moda. “Tudo bem a gente querer usar tendência, mas será que não tem uma forma melhor de fazer isso? não tem uma forma mais inteligente da gente poder usar o que queremos sem contribuir para mais desperdício de matéria, de lixo? Ao invés de 10 pessoas comprarem e depois se desfazer, elas podem alugar com a Não Tenho Roupa”, finaliza Paula.