Tudo é fruto de doação… história de inspiração de uma mulher voluntária

Scheila Youshimura abdicou da carreira de jornalista para se dedicar a cuidar da casa de apoio a crianças e adolescentes de forma voluntária

“Adoção não é um ato de caridade, adoção não é um favor, não é pra você ser visto na sociedade como bonzinho. Não, adoção é uma escolha pra vida, é um filho pra vida. É um filho que você vai ter que cuidar, amar e é importante a pessoa estar ciente de que a partir do momento que ela opta pela adoção vai ser uma escolha pra vida.”

É desta maneira que Scheila Cristina Frainer Yoshimura, descreve o que é o ato de adotar e também a responsabilidade que uma pessoa assume ao adotar uma criança ou adolescente. Como jornalista formada pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Scheila sempre realizava reportagens que envolvia crianças e adolescentes, ela tinha um programa sobre educação e cidadania ainda quando atuava com a tal profissão.

“Depois que estagiei na TV, a Maria Odete Olsen que também era uma precursora do jornalismo em Santa Catarina, teve a ideia de fazer um programa temático de educação e cidadania então em 1999 nós, às duas que trabalhavam no SBT, saímos e  montamos um projeto temático educação e cidadania e apresentamos para Band e a Band abraçou o nosso desafio abraçou a nossa ideia e aí em 13/05/1990 lançamos ao nível estadual o programa, nós fazíamos tudo, nós vendíamos comercialmente, apresentavamos, realizávamos a pauta, produzimos as matérias e editávamos”

Porém, foi em 2005 que a realidade de viver realizando pautas e contando histórias no mundo da comunicação mudou, Scheila realizou um dos grandes sonhos que tinha, o de ser mãe, e junto dele, projetos foram se desenvolvendo referente a crianças. E em 2011, veio a vontade de trabalhar de forma voluntária, em causas sociais, para aquilo que ela sempre gostou de trabalhar desde o jornalismo, para crianças e adolescentes.

“Desejei ser jornalistas desde muito pequena, sempre fui muito comunicativa e participava de muitos concursos de redação, então eu sempre fui estimulada, tive dois professores de português maravilhosos e eles me incentivaram muito. Mas, desde pequena eu já pegava o socador de caipirinha e fazia de microfone, então foi ali que começou meu desejo de ser jornalista”

Em fevereiro de 2011, Scheila se uniu com um grupo de 12 mulheres da igreja evangélica, de Florianópolis - SC e a casa de acolhimento Semente Viva surgiu, tudo começou com a ideia de trabalhar de forma voluntária, para as crianças, e de quererem criar uma creche. Foi nessa vontade, com as demais mulheres e com fruto de muito trabalho, pesquisas e doações, que a casa de acolhimento Semente Viva abriu as portas, uma instituição sem fins lucrativos e criada para ser um lar provisório para crianças e adolescentes, vítimas de violência, abandono ou negligência.

Neste ano, a casa completou 11 anos de muito trabalho, local esse, cedido por uma promotora de justiça - amiga do grupo de mulheres - que tudo começou, e também com a coordenação de Scheila Youshimura, única das 11 mulheres que continuou com o ato voluntário na casa. Após tudo adquirido e formalizado com a justiça para a abertura da casa, em maio de 2011 chegaram as primeiras crianças, e desta forma o trabalho voluntário fez com que Scheila se envolvesse cada vez mais com as crianças e os adolescentes.

“Comecei a me envolver em todos os movimentos de defesa de crianças e adolescentes, eu fui para o conselho dos direitos das crianças e do adolescentes de Florianópolis”

Depois de alguns anos atuando no conselho e se envolvendo em casos da procura dos direitos, Scheila tinha uma vida muito corrida por isso decidiu sair dessa responsabilidade do conselho, mas, ainda sim, se dedicar a casa de acolhimento Semente Viva. Com a vinda de novas crianças, a casa lar, o processo de conhecer a vida e como funcionava a vinda desta criança para o local começou a exigir mais.

E é neste processo de investigação que finais felizes acontece, até de encontrar uma família biológica de criança do acolhimento se tornou um processo satisfatório. 

Atualmente a casa de acolhimento Semente Viva conta com 12 funcionários regidos por CLT - Consolidação das Leis de Trabalho, com todos os encargos trabalhistas e jurídicos, mas não tem um produto para a sustentabilidade.

Dependemos de doações 24h por dia. Então assim, é um custo alto, porque a casa é equipada, com manutenções, ainda mais sendo uma estrutura grande.” comenta Scheilla, que ainda reforça “Então nesses 11 anos tudo que você vai ver na Casa Lar é fruto de doação, tudo, desde a caneta, lápis, lixo. Tudo é fruto de doação!.”

Eventos beneficentes e doadores individuais, como amigos e apoiadores, são uns dos recursos que também ajudam a manter a casa lar, aberta.

Scheila, por ser uma mulher com muita fé em Deus, diz que ter sempre uma experiência com ele não tem preço, e que muitas pessoas perguntam como ela consegue lidar com tantas funções do projeto.

Na casa lar Semente Viva, já se passaram mais de 120 crianças nesses últimos 11 anos, atualmente o local acolhe 10 crianças de 1 ano e meio a 18 anos, onde o local se torna a casa deles.

Foto: Arquivo Pessoal

Foto: Arquivo Pessoal

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Foto: Arquivo Pessoal

O ORFANATO

Foto: Freepik

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Os orfanatos antigamente, como Scheila falou, existiram no Brasil até 1990, e era um local onde acolhia  muitas crianças até os 18 anos, e dentro uma rotina muito diferente do que é vista na casa de acolhimento Semente Viva. Na época os orfanatos - nomenclatura essa não mais usada atualmente - eram locais bem distantes da sociedade, com objetivo de trabalhar com a caridade e assistência para crianças, dentro do espaço, aconteciam os atendimentos de saúde e a educação, sendo assim, essas crianças que já habitavam o local não tinha outro contato com outras crianças a não ser do mesmo local que viviam, ou que tinha a mesma situação que as levavam para o orfanato. 

A rotina no local era rígida e com regras, os funcionários do local também conhecidos como pajens ou monitores, tinham a função de cuidar basicamente das crianças e adolescentes, controlá-los e puni-los se realizassem algo de errado ou até se violasse as regras da instituição.

Na época existia uma legislação chamada “ Código de Menores”, lei essa que punia crianças vistas como abandonados e delinquentes, desta forma não havia garantia de direitos, e que não pudessem responder por si mesmo. Também na mesma época, famílias pobres que não tinha nenhuma forma de cuidar de seus filhos, tinham que entregá-los para o Estado, para que o órgão pudesse tomar os devidos cuidados básicos, até que fizessem 18 anos em um orfanato.

Diferente dos orfanatos antigos, a casa lar faz com que as crianças tenham uma vida normal e com isso indo para a escola normalmente. 

Casa De Acolhimento Semente Viva

Foto: Arquivo Pessoal

Foto: Arquivo Pessoal

A casa de acolhimento Semente Viva, também conhecida como casa lar, funciona desde 2011, 24 horas por dia, 12 meses no ano, e fica localizada no bairro, ingleses em Florianópolis. As crianças são encaminhadas para a casa lar pela justiça, onde são retirados da família por algum motivo e permanecem na casa até que sejam adotados por uma nova família ou devolvido para a família biológica, tudo isso, realizado depois dos estudos com a psicologa do local, que aponta se a criança está apita para á adoção, e com uma investigação da vida da criança.

São 11 anos de muito luta e trabalho, para garantir os direitos das crianças e adolescentes, direitos esses que são na maioria das vezes violados, casos como estupros chocam os funcionários das instituição e requer bastante atenção e trabalho para lidar com a situação.

Segundo o anuário de segurança pública de 2022 do Brasil em 2021, o estupro de vulnerável chegou a 45.994 e em Santa Catarina 2.413 crianças foram estupradas. A tabela abaixo apresenta números reais de estupro de vulnerável nos estados brasileiros.

Fonte: Fórum Brasileiro de segurança pública / Anuário Brasileiro de Segurança Pública

Fonte: Fórum Brasileiro de segurança pública / Anuário Brasileiro de Segurança Pública

Os casos de estupro de vulneráveis incluem o ato por violência doméstica e familiar. A Lei Federal 12.015/2009 altera a conceituação de “estupro”, passando a incluir, além da conjunção carnal, os “atos libidinosos” e “atentados violentos ao pudor”. 

Durante esses longos anos, que a casa de acolhimento trabalha, em prol das crianças e adolescentes, já passaram por grandes desafios jamais esperados, “Já sofremos ameaça de morte, já sofremos invasão na casa, tentativa de rapto de criança, porque a gente lida com famílias fragilizadas, e o que costumamos ver são histórias repetidas, a mãe sofreu aquilo, a filha sofreu aquilo,a vó sofreu. A gente precisa romper esse ciclo de violência que se repete” comenta Scheila.

Mas, após esses desafios o trabalho continua com muito amor, cuidado e fé em Deus. E trabalhando voluntariamente para que as crianças possam ter uma adoção saudável e cuidadosa.

Foto:Freepik

A ADOÇÃO

Foto: Arquivo pessoal

Foto: Arquivo pessoal

A casa lar tem critérios para adotar crianças e adolescentes. Critérios esses que exige que maiores de 18 anos, independente do estado civil; que exista diferença minima de 16 anos entre o adotado e adotante, cônjuge poderá adotar o filho do companheiro e a justiça não coloca obstáculos na adoção por homoafetivos.  

É muito comum recebermos ligações de pessoas, que, por não entenderem o processo de adoção, perguntam: – “Aí tem criança para adotar? – Como eu faço? – Quero adotar uma! Como se fossem um loja e as crianças um produto.”

Não é desta forma que funciona, todo o processo de adoção é feito pelo judiciário, processo esses que cabem a pessoa procurar á vara da infância e da juventude ou o fórum do seu município, - o tempo de duração do processo depende de cada vara - no local farão a abertura de ficha e preparação de documentos, após esses procedimentos, a pessoa que quer adotar entra em uma fila de adoção e aguarda o contato da Equipe Técnica da Vara da Infância e da Juventude. Formada por psicólogas e assistentes sociais, quando chega a vez da pessoa, ela é encaminhada para um abrigo mais próximo de seu endereço fornecido, conhecido também como fase preparatória, para assim, realizar a conexão e a criação de vínculos, e com isso o abrigo responsável já prepara o local, por um bom tempo.

Após essa primeira fase a Vara da Infância e Juventude passa para a fase de perfil da criança e avaliação do candidato, nesse processo é realizado agendamentos de entrevistas com psicólogos e assistentes sociais, onde a equipe analisa tudo da vida pessoal do candidato e após toda a análise, passam para o perfil da criança desejada pelos candidatos. Ao final, o caso é avaliado pelo Juiz, que encaminha para o curso preparatório e o laudo das avaliações para o Ministério Público e o juiz da Vara de Infância.

E é a partir da equipe técnica da Vara da Infância e do parecer emitido pelo Ministério Público, que o juiz dará sua sentença. E assim, o candidato tem o certificado de habilitação, ou seja, o seu pedido foi aprovado, caso não foi aprovado o candidato deve buscar entender os motivos da rejeição, e tentar adequar aos critérios e começar o processo novamente.

Depois da aprovação, passam para os passos finais, conhecido como o dia de conhecer, dia esse importante para o processo, o candidato não em busca um filho para adotar, é o oposto, são as famílias que mais se encaixam no perfil das crianças. E quando ocorre a conexão, a Vara da Infância e Juventude entra em contato e passa o perfil das crianças para a família. Se existe o interesse, é agendado o primeiro encontro no abrigo.

E passamos para a fase do namoro, neste período tudo é avaliado pela equipe do abrigo e equipe técnica do judiciário, essa fase pode ser diferente em outras instituições, caso esses feitos na casa lar. Nesta fase, o candidato também conhece a instituição e  depois do primeiro encontro com a criança sem nada ser explícito, e o candidato queira continuar o processo, é agendado mais encontros, que acontecem no abrigo, depois com passeios externos e ao fim de tudo as pernoites, autorizado judicialmente. E com isso, trabalha a criança, perguntando como ela está se sentindo, e quando se percebe que a criança e a família estão prontos para seguir em frente é feito o desacolhimento.

Na casa lar, quando chega a hora do desacolhimento é uma festa, é preparado uma despedida, realizam a entrega do portfólio e também é momento de orientar a família que façam uma festa com a chegada da criança no seu novo lar. O processo não acaba nessa fase, o candidato que adotou recebe a guarda provisória, com uma validade até a conclusão do processo, mas nessa fase, a criança já passa a morar com a família que também é acompanhada pela equipe da Vara da Infância e Juventude.

E ao final do caso se tudo estiver correto, passa para a adoção definitiva, o juiz libera a sentença de adoção com todo o registro de nascimentos, com o sobrenome da nova família, e assim a criança passa a ter todos os direitos de um filho biológico e o processo passa a ser definitivo e irrevogável.

Abaixo Scheila da exemplo de algumas histórias referente a adoção.


Programa de Apadrinhamento Afetivo

O apadrinhamento afetivo, programa previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), garante às crianças e adolescentes de instituições de acolhimento a possibilidade de terem alguém para confiar e apoiar nas decisões, ajudando a lidar com traumas e fortalecendo sua história para o futuro.

Segundo o livro “Apadrinhamento afetivo, o que nos une é o amor", publicado pelo Semente Viva, em 2021, o programa foi criado a partir das diretrizes estabelecidas em reuniões do Fórum das Instituições de Acolhimento de Florianópolis (FINAF) e da Comissão de Apadrinhamento do Ministério Público de Santa Catarina. 

O apadrinhamento existe em três modalidades: o afetivo, financeiro e prestador de serviços. Cada um funciona de uma forma diferente. No afetivo, a pessoa se inscreve visando criar um vínculo de responsabilidade e afeto com a criança ou adolescente, oferecendo experiências fora do abrigo, como, por exemplo, ir ao shopping ou levar para realizar alguma atividade física. O apadrinhamento financeiro tem por objetivo fornecer recursos financeiros a uma criança durante sua estadia no abrigo, sem a necessidade de ter um contato direto. Já o prestador de serviços é uma pessoa com a finalidade de se tornar voluntário da instituição, fazendo algum serviço de forma totalmente gratuita. Nessa modalidade, não ocorre envolvimento afetivo e/ou financeiro com os acolhidos, ele é somente padrinho da instituição.

No livro publicado pelo Semente Viva, ainda é possível encontrar questões obrigatórias para o apadrinhamento afetivo como a existência de pré-requisitos para os acolhidos terem a oportunidade de serem apadrinhados, sendo: crianças e adolescentes com remotas chances de adoção, e aqueles que por idade avançada ou por problemas de saúde, não se encaixam no perfil escolhido por famílias habilitadas à adoção.

E os padrinhos, também são obrigados a cumprirem direitos e responsabilidades perante ao acolhido, como realizar visitas no espaço do abrigo com aviso prévio; conviver com o afilhado e incluí-lo em sua vida familiar e social, levar a criança para passeios, participar de eventos e datas significativas para o afilhado, presenteá-lo, nos padrões adequados à sua idade, colaborar com a vida escolar, acompanhando os estudos, reuniões, eventos, participar de consultas médicas, entre outras atividades.

No Semente Viva, a coordenadora voluntária, Scheila Cristina Frainer Yoshimura, explica que os interessados devem fazer a inscrição na Plataforma Colaborativa da Jornada do Apadrinhamento, que dará acesso ao curso virtual para pretendentes. Após concluir esta etapa, receberá um questionário para habilitação. Ao final, sua inscrição ficará no Banco de Dados, disponível a todas as casas de acolhimento de Florianópolis. Assim que iniciar o processo com uma criança ou adolescente, a pessoa interessada assinará o Termo de Adesão — um documento formalizando o ingresso no programa.

Foto: Arquivo Pessoal

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Vivências da Casa de Acolhimento Semente Viva

Foto: Arquivo Pessoal

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