Vida de Cachorro Louco!

Como andam as condições de trabalho dos motoboys em Florianópolis


A popularização da comida rápida


Além da habitual facilidade de receber a comida em casa, na pandemia, foi uma questão de sobrevivência.

Em março de 2020, o brasileiro viu de perto o começo de uma pandemia mundial. O coronavírus fez diversas pessoas repensarem seus hábitos de vida, e um deles, foi o da alimentação. Segundo a pesquisa do PoderData, 43% da população brasileira engordou durante a pandemia. Isso devido à falta de atividades físicas e o consumo excessivo de alimentos práticos.

Um dos fatores que contribuíram para o aumento significativo de pessoas engordando foram as plataformas de delivery, que não pararam mesmo em períodos de Lockdown. Só em março, a empresa Ifood registrou 30,6 milhões de pedidos. Outros dados significativos foram da pesquisa feita pela Mobills, startap que analisou mais de 160 mil usuários do próprio aplicativo, entre os meses de janeiro e maio, constataram que os aplicativos Ifood, Uber Eats e Rappi cresceram 94,67%, quase o dobro em relação à 2019.

No gráfico abaixo, é notável o decrécimo de pedidos no mês de março, e que segundo a Mobills, seria por medo e incerteza das pessoas, diante da pandemia.

Leitura do gráfico: Volume de pedidos X meses.

Essa nova demanda de pedidos fizeram com que mais restaurantes migrassem a sua empresa para a plataforma, contabilizando 160 mil restaurantes. Em agosto de 2020, o número saltou para 236 mil restaurantes.

O pedido mais feito no Ifood é o tradicional hambúrguer, seguido de esfirra e pizza.

  • Hambúrguer gourmet com batatas canoas, servido na tábua. Foto:Arquivo/Internet


SINAL VERDE: A fome não pode esperar


É notável o crescimento exponencial em todos os setores das empresas de alimentação por delivery, e para que haja entrega dessa quantidade de pedidos, são necessários os motofretes. Segundo o Sindicato dos Mensageiros Motociclistas, Ciclistas e Moto-Taxistas do Estado de São Paulo (SindimotoSP) , o número de motofretistas cresceu 40% só nesta pandemia, eram 220 mil cadastrados nesta mesma empresa e em fevereiro deste ano, subiu para 305 mil. Já as funcionárias mulheres subiram de 1% para 3%.

A realidade aqui em Florianópolis é bem semelhante. Procuramos a AMO (Associação de Motociclistas da Grande Florianópolis) mas, não quiseram divulgar os números e dados da situação em Florianópolis, segundo eles, a quantidade de motoboys irregulares e não cadastrados é muito maior que os que estão em dia com o sindicato.

Um contra exemplo de motoboy regularmente cadastrado, é de Leonardo Bittencourt, 32 anos, motorista pelo restaurante de comida japonesa Sushi Mané Delivery. Ele trabalha fixo no Sushi na parte da noite, prestando serviços como MEI (Microempreendedor Individual). De dia, ele atua na empresa Ifood.

Segundo ele, as condições de trabalho fornecidas pelo Sushi são boas. Quando se acidentou, a empresa cobriu os custos tanto de saúde quanto da moto. Mas, reconhece que foi uma singularidade, geralmente, as empresas arcam com os custos da moto, mas depois cobram em pequenas parcelas.

As diferenças que ele avalia entre o Ifood e a empresa, são as vantagens. Pelo aplicativo, o motorista larga as viagens com zero reais e fica dependente das dinâmicas de entrega, já pelo Sushi, ele começa as entregas com R$80,00 + taxas. Na pandemia, dentro do Ifood foi criado o seguro-covid, que ele diz ser burocrático para acionar, mas que assegura os motoristas que contraem o vírus, já que o trabalho é de risco.

Outro fator apontado por Leonardo foram as cobranças exigidas pela PRF (Polícia Rodoviária Federal) que estavam multando os motoboys, seguindo uma normatização de que os motofretes só poderiam trabalhar com placa vermelha nas motos, sinalizando que é um serviço de entrega. No documento deveria estar como motofrete e este mesmo veículo não poderia ser utilizado para transportar passageiros, apenas a mochila de entrega.

São exigidos alguns equipamentos para este trabalho, como colete sinalizador, luvas, emplacamento correto, bags sinalizadas etc. Porém esta regra é válida apenas para trabalhadores CLT, registrados na empresa. Motoboys de aplicativo ficariam sob avaliação dos policias, que na época, multavam todos que passavam sem os equipamentos regularizados.

Questionamos sobre a velocidade da moto na hora das entregas, Leonardo respondeu que o restaurante põe um tempo limite de entrega, e que se você andar devagar, os pedidos viram uma bola de neve. Caso isso aconteça, o restaurante despede o funcionário.

"Eu vou devagarzinho, na manha. Sei que minha vida vale muito mais que uma entrega, mas as pessoas não tem consciência disso, inclusive até reclamam da taxa de entrega. Sim, reclamam de 4 reais cobrado."

Leonardo também citou que a classe de motoboys é muito unida, se ele estiver parado na rua, com o capacete levantado, logo estaciona outro motoboy para oferecer ajuda. Mas, reclama que a sociedade vê eles de uma forma negativa.

"A gente é muito unido, mas sabe porque as coisas não mudaram? Porque a gente é muito mau visto, mau visto por todo lado. Eu sei que tem motoboys mal educados, que correm por todo lado, não usam a mochila corretamente, mas esses são calejados, já sofreram muito nas entregas".

BI BI BIIIII: A informação é a buzina mais alta!

De que a informação é importate e necessária para os dias atuais, não temos dúvida. Mas a desinformação é contínua e só conseguiremos acabar com ela, tendo o conhecimento. Ao entrevistarmos o segundo motoboy, perguntamos se ele conhecia os próprios direitos trabalhistas, a formalização da categoria, a inscrição como MEI e todo o aporte que a instituição oferece, ele disse desconhecer esta realidade.

Benício Caetano Velho, 45 anos, é mais um dos trabalhadores que vivem informalmente na categoria. Descumprindo a lei municipal 9.030, criada em 2014, que facilita a regulação desses profissionais. Ele, pedreiro durante o dia, faz as entregas como motoboy para acrescentar a renda, já que teve um corte de salário significável durante a pandemia, mesmo sabendo que a construção civil foi uma das áreas que mais cresceu neste período.

Benício é entregador da empresa Kokimoto Sushi, e diz que nunca se incomodou com as entregas. Apesar da pressão no trabalho, ele prefere andar tranquilamente, para que o pedido chegue de forma organizada e que não comprometa a vida dele.

Ao final da entrevista, indicamos a abertura de MEI para que assegure ele, caso aconteça algum acidente, ele disse nunca ter pensado nisso, e que nem saberia por onde começar. Na manhã seguinte, conversamos pelo whatsapp, e conseguimos abrir o MEI para o entregador.

"Eu agradeço pela bondade, agora, além de me cuidar na estrada, sei que terei meus direitos garantidos, por mais que sejam poucos. Motoboy é só um bico, mas que seja feito com segurança."

SINAL AMARELO: Existe diferença entre os motoboys diurnos e noturnos?

Sim, há bastante diferença, tanto de carga horária quanto de salário. Augusto Garcia, proprietário do Sanduba do Guto (restaurante de comida saudável) revelou o valor que paga aos seus motoboys. No período diurno (10h às 18h) ele paga R$2.000 +taxas, se for no período da noite, o tempo diminui e o valor continua (18h às 22h).

Augusto também conta que é impossível assinar a carteira dos motoboys, já que na temporada eles chegam a ganhar R$4.000 + taxas, isso seria complicado de formalizar com CLT, mas que acha totalmente correto a inscrição deles no MEI, inclusive estimula que todos façam isso.

Já no período da noite, o cenário é diferente. Entre 17h e 19h acontece o horário de maior movimento, além disso, a troca de luminosidade contribui também para a periculosidade que os motoboys enfrentam. Após as 23h, há chance de sofrerem assaltos nas entregas, em áreas consideradas de alto risco.

Outro fator que diferencia os turnos, são as adversidades. Durante o dia, os fatores que atrapalham o trabalho são as altas temperaturas, o sol nos olhos, a falta de respeito dos motoristas com os motoboys e também os animais de rua, que atravessam na frente da moto. Durante à noite são as baixas temperaturas, velocidade em excesso e a baixa visibilidade.

SINAL VERMELHO: O que é um motoboy cachorro louco?

A expressão cachorro louco, utilizada na titulação desta matéria, se refere a uma parte dos motoboys que vivem exatamente como no título, não respeitam as sinalizações, as vias, quebram retrovisores, pulam nas lombadas, andam sem carteira de habilitação, usam documentos atrasados, são grosseiros e ameaçadores.

Agnaldo Vieira, 36 anos, revela ter passado grande parte da sua vida sendo motoboy cachorro louco, pois ele gostava de incomodar. Ele agia assim porque disse que se sentia muito mal, já que todos generalizavam a categoria de forma negativa.
Agnaldo diz que a sociedade trata os motoboys da mesma forma, com muito desprezo e desrespeito, acham que todos são grosseiros e quebradores de espelho, mas não. Outra instituição que ele diz generalizá-los é a PRF, que vive em cima fiscalizando e pedindo que coloquem a placa vermelha.

"Se colocarmos a placa vermelha, perdemos o direito de usar nossa própria moto para passeio, se tornando uma moto só de entrega, se querem isso, que comecem pelos Ubers!"

Hoje, Agnaldo se considera muito paciente no trânsito, formalizado no MEI, ele compreende que terá direitos garantidos, caso se acidente. Em seu whatsapp, têm diversos grupos de motoboys da Grande Florianópolis, que neste momento, se organizam para procurar o sindicato e tentar a formalização.

Questionamos se há diferença entre trabalhar para os aplicativos ou para empresas, e a resposta foi sim. Segundo Agnaldo, o Ifood, empresa na qual ele tem cadastro, funciona de duas formas: Nuvem e OL.
Pela nuvem, os motoristas aguardam o chamado do Ifood, vão até a empresa e realizam a entrega, esse processo depende do score. Se for alto, ganha mais corridas, se for baixo, não faz muitas. Na OL, os motoristas são fixos, e cumprem carga horária no Ifood, ambos sem carteira assinada.

A remuneração nos dois casos são baixas, já que o motoboy larga com zero reais e tem que trabalhar muito para conseguir grana. Ele conta que teve um dia que trabalhou das 9h às 22h e ganhou 38 reais. Sem contar as várias vezes que ele chega na empresa indicada e o pedido já foi entregue por outro motoboy, como uma forma de bug do aplicativo.

Mas, nem todos enfrentam a mesma situação. Existem diversos tipos de motoboys que levam a sério a profissão, estão em dia com os equipamentos necessários para trabalhar, respeitam as sinalizações e são cuidadosos no trânsito, como é o caso de Nathanael Vargas, de 28 anos, funcionário do Sanduba do Guto.
Ele conta que tudo que faz, é feito com muita dedicação e prazer, por isso, sempre utilizou todas as formas de proteção (colete sinalizador, capacete, mata cachorro, antena corta fio etc. Mas revela que é difícil estar em dia, é muita burocracia

"Qualquer coisa que você procura formalizar na pandemia, demora muito tempo, principalmente pra nós, e a cada dia parado, é um dia sem receber"

Nathanael se acidentou em abril de 2021, mesmo com todas os equipamentos. Um cachorro de rua tentou atacá-lo, quando ele atropelou o animal. Com o pedido de resgate, só prestaram ajuda ao animal. Quando a ambulância chegou, fizeram o primeiro atendimento e indicaram para ele não ir para o hospital, já que o risco de infecção por covid-19 era grande. Assim, todos da equipe se deslocaram para socorrê-lo. Por ser destaque e estar impossibilitado de dirigir, hoje, ele foi promovido e faz a parte da logística da empresa.

Procurado pela reportagem, o engenheiro de produção do Ifood em Floripa, Daniel Paredes, não quis comentar sobre os casos apontados. O Ifood também não respondeu os emails e ligações até o fechamento desta matéria

Alguns nomes foram trocados para respeitar a privacidade das fontes.

Reportagem por Vinicius Fagundes
viniciusfagundes62@gmail.com

Fotos por Flávio SB

Capa, Páginas 2, 3 (segunda parte) e 4
Instagram: @flaviosb
Fotos arquivo/internet: Páginas 1 e 3.