Escute a Suli

Transcrições dos áudios da reportagem
Sulihana e a ancestralidade moderna

Áudio 1: A língua

“A nossa língua, na verdade, é a nossa identidade pra onde a gente vai. Por exemplo, eu em Blumenau, meus professores às vezes perguntavam como se falava isso, e eu falava pra eles. Isso é importante porque a gente pode se identificar com isso pros outros. Pra gente mostrar que a gente é indígena, e isso é mais importante do que qualquer outra coisa. (...)

Na verdade, eu aprendi o português em casa junto com o xokleng. É a nossa língua-materna, né, então a gente tinha que aprender né. Eu acho que todos os indígenas tem que primeiro aprender a língua materna. (...)

Na verdade, é um pouco complicado, né. Porque hoje em dia não é mais o mesmo como antes, sabe? A criança já nasce e os pais já vão falando um idioma. Hoje já é mais o português, mais as coisas dos não-indígenas, então é um pouquinho mais complicado. (...) 

A minha maior preocupação é ver que hoje em dia a nossa cultura, aos poucos, ela tá se perdendo. Tanto na língua, quanto na cultura. E o que mais me preocupa é saber que a geração de hoje não tá se preocupando de querer resgatar essa cultura, esse conhecimento. Então seria bom se a geração de hoje, a nossa, fosse atrás disso, né, porque a gente não pode deixar se perder essa cultura.

A gente é a única etnia no Brasil e no mundo. Os Xoklengs somos únicos. A gente vendo hoje, daqui mais alguns anos, só vai existir o nome dos Xokleng, não vai mais existir mais a cultura, a língua... Então é isso que mais me preocupa, né.”


Áudio 2: A terra

“A demarcação de terras, na verdade, é o que pra nós é mais importante. Porque a gente tá vendo que, por causa da barragem, a Barragem Norte que foi construída aqui, a gente perdeu muitas coisas. Muita terra, muitos lugares que eram essenciais pra nós, pros anciões, né. E a gente precisa mesmo dessas terras. (...)

A gente aqui tá lutando pra ganhar mais um pedaço de terra [som de galo ao fundo]. É difícil a gente tá falando nisso. A gente olha que, quando eles falam de demarcação de terra: "Ah, por que que os índio querem terra, se não trabalham, não fazem isso?". Gente, nós aqui, a gente trabalha a mesma coisa igual os não-indígenas [som de galo ao fundo]. A gente tem plantações, muita coisa, sabe.

Eu tenho meus irmãos mais novos, eu tenho meus sobrinhos, que daqui a alguns anos vão casar, vão ter a família deles. Só com esse pedacinho aqui não basta pra gente, não cabe. Então eu acho que isso seria o mais importante: essa demarcação de terras para que a gente pudesse ter. (...)

E também, na verdade, ela foi tirada da gente quando a Barragem Norte foi construída. Então ela foi tirada. A gente só quer ela de volta. A gente não tá roubando, A gente não tá fazendo nada. A gente só quer o que é nosso. Então isso foi tirado da gente. (...)

Depois que a barragem foi construída, a gente perdeu um pedaço essencial das nossas terras, a gente perdeu muita coisa, plantações. Muitas, muitas, muitas coisas. Aqui nós temos muito indígena [som de vibração do celular] que plantam aipim, feijão, entre outros, né. Então quando a barragem foi construída a gente perdeu isso. E hoje é difícil [som de galo ao fundo] a gente ter um pedaço de terra pra fazer a plantação, né.”


Áudio 3: A barragem

“Eu não faço ideia, porque já foram muitas. Até mesmo quando foi feita um manifesto em cima da barragem, a gente ficou acho que uns três anos lá. Toda vez que chovia, e chovia às vezes uma semana, alagava tudo, sabe? O rio nosso vinha até aqui em cima. Só que essa barragem tem as comportas que, se fechar, ela enche tudo pra cá. Tudo nessa região. E se ela fica aberta, aí ela alaga lá fora: Blumenau, Rio do Sul, por ali. Aí toda vez que chovia, eles fechavam a comporta e a gente saía prejudicado aqui.

A gente fez um manifesto, ficou três anos lá. Aí já começaram a fazer uns barracos lá. Aí veio o Ministério Público, viu como a gente tava vivendo ali, por causa da barragem e por causa da demarcação. Aí deram essas casas, que é uma casinha pequena, toda de alumínio, e deram pros indígenas saírem de lá. A situação lá tava bem crítica, bem feia. Aí que a gente saiu. Ainda tem gente ali, mas não chega a ser em cima, onde a gente tava. Eles moram mais pro lado. 

Não foi só a minha família. Foi a maioria da comunidade que fez o manifesto. E era pra ser só um manifesto. Só que  resolveram ficar lá e lutar até eles conseguirem. Aí o que aconteceu? Minha mãe ficou lá e, como eu era mais pequena, eu ficava lá com ela, mas já voltava. Eu ficava mais aqui em casa e ela, lá. Foi em 2014, eu acho.”


Áudio 4: A festa

“Um dia especial na minha infância... Na verdade, foi todos. Todos os dias que a gente brincava na chuva, às vezes na lama. Mas assim, um dia especial mesmo era na festa do índio. A gente fazia apresentações, se fantasiava, se pintava, e fazia tudo ali da nossa cultura. Esse era o dia mais especial que tinha... Não que não é mais, hoje em dia também, só que é mais diferente. Não é mais como era antes. (...)

Porque hoje em dia não é mais o mesmo, sabe? Hoje em dia, parece assim, que tipo... Os jovens de hoje, parece que eles têm um pouco de vergonha, sabe? De ficar pelado, de se fantasiar de índio mesmo, sabe?

A festa sempre é o mesmo, com apresentações, com cantoria, com tudo no idioma. A comida é típica também.(...)

Eu, sim, ainda me fantasio. Tenho muito orgulho, na verdade, de me vestir de índia.”


Áudio 5: A tradição

“Os nossos ancestrais, os índios mais velhos, que moravam no meio do mato mesmo, eram espíritas. Eles acreditavam em espírito, né. Por exemplo, você corta uma árvore. Eles conversavam primeiro com o espírito daquela árvore, eles acreditavam que aquela árvore tinha espírito, conversavam com ela, explicavam o porquê eles iam cortar ela, e depois eles cortavam. Então eles eram mais espíritas. (...)

Os homens, se não tô enganada, dos três dias a 15 dias de vida, eles botavam botoque aqui no beiço. Furava aqui.

E a mulher ela tinha na perna, tipo na coxa dela assim. Como diz, botava aquela madeirinha dela assim. Ou tu tinha aquelas tatuagem que eles dizem né, a marca, na mulher.”


Áudio 6: O chá pau-de-mulher

“Não chega a ser poucas vezes, mas tipo, quando a gente vai fazer chá, que nem o chá pra mulher grávida, o pau-da-mulher. A pessoa tem que saber tirar. E como eu falei no começo, meus ancestrais eram espíritas. Eles iam na mata pra tirar e conversavam. Hoje em dias as pessoas que vão lá tirar, eles fazem isso ainda. Por isso que eu digo: a pessoa pra ir lá tirar esse chá, ela tem que saber tirar. Não é uma pessoa ir lá, tirar a casca dela e pronto. Não, ela tem que saber. Esse [chá] é o que eles mais usam hoje. (...)

Se a mulher sente muita dor, ela toma esse chá. E tem o chá que ela toma assim pra na hora que for ganhar o neném não sentir muita dor. Até mesmo quando a mulher engravida e sente muita dor, ela toma o chá e tem que tomar um banho no chá, lavar o corpo.

É bom, quando a mulher descobre que ela tá grávida, faz isso. Fica mais bom pra ela. Mas também, hoje em dia, a gente vê que as mulheres que engravidam sentem muita dor. E aí quando elas sentem muita dor, tomam banho no chá, tomam o chá.”